quinta-feira, 8 de julho de 2010

Itabuna 100 anos

QUERO-TE COMO ÉS

por Antonio Nahud Júnior (*)

Quando me aproximo de um jovem artista grapiúna, pergunto-me o que o leva a tanto ou tão-pouco, que esperança, que pureza, que oculto mistério se procura indo por tal caminho. A própria arte exige enigma, dedicação, minúcia e perseverança. O que está em causa é preservar o real ou a imaginação? Não é simples a busca para a qual se convoca uma carreira artística. Vivemos no tempo do desencanto da arte itabunense de qualidade. É ainda possível a arte vigorosa nesta cidade centenária? A minha resposta possivelmente contém alguma esperança. Mas sei também dos condicionalismos nefastos que se fazem sentir, que não deixam de se agravar de um modo sempre mais e mais lamentável.

A Itabuna atual, centenária e sofrida, num espetáculo inominável, abriga legiões de drogados, violência urbana, miséria gritante, corrupção pública, politicalha, poluição do rio Cachoeira, formação educacional insossa, memória descartável e ignorância generalizada. Um show bizarro de bajulados e bajuladores, de individualistas, invejosos, vaidosos, perversos e tolos, ocultando injustamente o delírio artístico impecável de talentos como Antonio Lopes, Jorge de Souza Araújo, Conceição Portela, Hélio Pólvora, Carlos Betão, Sonia Coutinho, Piligra, Rita Brandi, Leandro Guimarães, Eva Lima, Mariângela Montalvão, Lucas Abude ou Milena Palladino, entre tantos outros. Talvez o acelerado avanço tecnológico tenha atrofiado mentes e sensibilidades. Por certo, a globalização deu o tiro de misericórdia na regionalidade. E se o cacau já não acabou como produto, assiste decerto ao esgotamento do seu ciclo artístico.

As minguadas edições literárias diminuem suas tiragens, os jovens lêem cada vez menos, e de poesia bem pouco. Os jornais reservam espaço exíguo aos artistas. Os teatros estão abandonados, em ruínas. Os grupos teatrais não apostam no versátil, no ousado, na pesquisa. Raros artistas plásticos investem numa mostra irreverente. A dança é quase sempre a mesma dança “made in Broadway” de todos os anos. Os músicos raramente se arriscam, no mesmo feijão com arroz de noitadas em bares. A Fundação Itabunense de Cultura e Cidadania (FICC), nas mãos do louvável escritor Cyro de Mattos, tem bravamente tentado sobreviver com recursos arrochados. O Centro de Cultura Adonias Filho (CCAFF), levado aos trancos e barrancos por uma criatura prepotente, paranóica e desinformada culturalmente, está mergulhado nas trevas, sem projetos ou benesses para os nossos nativos. São tempos sombrios, Itabuna amada minha.

Perante tudo isto, será a arte um refúgio, um subúrbio do desencanto, uma enfermidade incurável? E o que leva poetas como Ruy Póvoas, George Pellegrini, Genny Xavier ou Yara Smith, a escrever empenhadamente versos? Só a arte é o caminho, talvez seja esta a miragem de gente como nós. No mundo inglório à nossa volta, nele, não nos detemos, colocamos a sensibilidade exata na intimidade cotidiana, a arte que sussurra o próprio tempo, a arte que traduz nossa cidade em expressão singular. No fundo, talvez o que conte não seja a grotesca imperfeição da Tabocas viciada no medíocre, mas o discreto milagre das manifestações artísticas, as suas peregrinações incansáveis.

Mas, afinal, o que significam os cem anos de Itabuna para seus artistas natos? Quem se lembra de Candinha Dória, Alceu Pólvora ou Telmo Padilha? E a Sociedade Itabunense de Cultura (Sic), o Projeto de Atividades Culturais Cacau (Pacce), as sessões cinematográficas de arte, a exuberância cênica de Alba Cristina e Sônia Amorim, os figurinos coloridos de Ney Galvão, Geraldo Maia e seus Poetas na Praça, os harmoniosos passos de baile de Amair Félix e Cody Reis, os desenhos glamorosos de Jorge Abijaude, a fértil página literária de Raimundo Galvão? Ah, Itabuna centenária, terra de ninguém, não é auspicioso esnobar seus artistas, não é auspicioso ignorar a riqueza cultural de gente como Walter Moreira, Paulinho Lima, Valdelice Pinheiro, Adylson Machado, Tica Simões, Emerson Mozart, Waldirene Borges, Osmundinho Teixeira, Minelvino, Renart, Firmino Rocha, Elaine Bela-Vista, Célia Messias, Cláudia Dória, Fernando Caldas, Gustavo Atallah Haun, Zélia Possidônio, Jaílton Alves, Bebeto Messias ou Vauluízio Bezerra. São eles que imprimem às suas artes uma aura de tipicidade grapiúna. Através deles a rica história grapiúna ganha contornos no corpo cultural brasileiro.

Sem esta arte honesta, o modo de vida grapiúna - sua coragem, suas lutas, suas vitórias, sua condição social, sua verdade – seria esquecido num piscar de olhos. A presença da arte elaborada, cintilante de memória e sabedoria, enaltece a viva de todos, a regência íntima das coisas e a soberania do tempo, num encantamento ilimitado. De Jorge Amado a Raílda Prudente, de Oswaldo Mil a Silvestre Guedes, de Jackson Costa a Kleber Torres, de Mateus Saron a Tcharly Briglia, de Adriana Dantas a Ivan Carlos, de Nonato Teles a Tainá Xavier, de Daniela Galdino a Iolanda Costa, de Sérgio Brandão a Moysés Ribeiro Júnior, de Zélia Lessa a Natália Gomes, precisamos louvar nossos artistas. Ah, Itabuna centenária, quero-te como és, de um jeito ou de outro, mas com a valorização artística - com certeza - tudo seria mais civilizado, dócil e deslumbrante.

(*) Escritor e jornalista itabunense. Oito livros publicados.


Fiquei surpresa e me sinto imensamente honrada, nem sei se é de merecimento entrar neste texto entre tantos bons que aparecem. Agradeço de coração ao poeta e amigo Antônio Naud Júnior pela lembrança, mesmo estando longe. E concordo que "com a valorização artística - com certeza - tudo seria mais civilizado, dócil e deslumbrante."

2 comentários:

  1. Anônimo10:41 AM

    E de se espantar que com tantos talentos e pessoas do bem vivendo em Itabuna, ainda possui esta Princesa Grapiúna um indiferença por parte do Governo Federal e Estadual.

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  2. lindo texto , triste realidade e grande conteudo parabens>

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